Transform|ar.te| n2
Numa folha de papel deixamos as letras fugirem do nosso controlo. Como uma película que armazena informação, transformamo-nos em pequenos detalhes feitos da experiência com os outros. Deixamo-nos existir para além da nossa imagem e vivemos para além da linha que conseguimos traçar à nossa volta.Se a linha for feita de terra, a opacidade impede-nos de ver o mundo que nos rodeia, pouco o experienciamos como nosso – mesmo que por breves momentos, mesmo quando do outro sabemos ser. As cores de pele, as línguas faladas, os tons das palavras, a textura dos sotaques. As comidas, os sabores, os cheiros, as emoções. Tudo isto fica por sentir, por deleitar. Reduzimos a nossa linha a meros pontos que se intercetam.Se por outro lado a linha for feita de ar, tudo entra e tudo se entranha. O que é nosso – se existir – transforma-se no dia-a-dia, permeabiliza-se no querer beber do(s) outro(s), no querer comer com os olhos, mesmo que uma barriga não chegue. Adaptamo-nos, moldamo-nos e, nesse processo, descobrimos quem somos. O que queremos ou o que não queremos ser. O que queremos no nosso mundo. O que queremos jantar no dia seguinte. Se cremos amarelo ou vermelho. Em que políticas nos revemos. Em que dança rodamos. Em que música nos encontramos.Entre a linha de terra e a linha de ar, há uma imensidão de dinâmicas, de sinergias passíveis de pensar, estender, acordar e criar. De vida.Não somos todos iguais, não pensamos todos da mesma forma, não partilhamos todos a mesma cultura, ética, moral, valores, religiões, palavras, conceitos, formas de arte. Somos, contudo, todos humanos a coabitar o mesmo espaço. Somos complexos. Cheios de complexidades. Cheios de especificidades. Cheios de individualidades. Cheios de vontades e de sonhos. Sabe-nos bem quando não mimicamos o que já existe e já foi falado, discutido, batido, experimentado, falhado, aprendido, reproduzido. O mundo não é uma ervilha... Quanto muito, é uma melancia!
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